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migrar ao corpo
Exposição - Porto, Portugal
2020




"Você não relaxa", ele disse. - Brasília, 2015.

>> Relaxar (verbo pronominal)_ Perder a tensão, afrouxar-se.

_ Tornar-se frouxo no cumprimento dos deveres.

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Reunião de expressões em desenhos, frames fotográficos e textos-impulso sobre as rotas migracionais de um corpo instintivo. Este caminho foi acompanhado pela escuta e conversas com a natureza e teve como objetivo, apenas, ~relaxar~ em sua casa própria, o corpo. Estar em paz com a simples e curta existência. Grata pela morte e a vida, aceitar que tudo cabe e transforma. Sair do tempo linear, sincronizar e confiar no não visível. Aceitar a ingenuidade, liberar-se da obrigação, ocupar-se em realizar, dia após dia, a sua paixão.

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é preciso despir-se.
de toda necessidade de aprovação
pra confiar que o destino se faz na liberação.
No mundo invisível há uma rede.
Conectada em muitos pontos.
É geometricamente existente para amortecer
a queda.
e ser mola
propulsora
para a direção do que fizer
a sua frequência
ser: ação criadora.

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Portanto, são trabalhos produzidos entre 2015 e 2020. Este caminho coincide com a migração do Brasil para Portugal (e uma volta à Asia). Os materiais são corriqueiros, cotidianos e costurados em tecido de memórias afetivas.

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Sobre quotidiano e a natureza, pelas palavras de Ailton Krenak:"Eu tenho uma dificuldade enorme com aquele molde intelectual de pensar o mundo pelas partes. Precisamos pensar o todo e interiorizar isso como um jeito de estar no mundo, e isso pode ser uma experiência capsular onde a gente admite a nossa natureza de célula, para além e contra todo personalismo. [...] É também estar atento ao quotidiano. “Todo dia o sol levanta e a gente canta o sol de todo dia, vem a tarde e o dia gora… e a gente chora no cair da tarde…”. E admitir que cantar, sorrir e chorar é o nosso programa. A gente não precisa ficar desestruturado diante do choro. A gente não precisa ficar pirado diante da alegria. A gente pode buscar alguma coisa entre o nascer e o pôr do sol, de uma maneira mais parecida com o que a natureza faz há bilhões de anos. Isso que a gente chama de natureza é uma criação cultural que existe antes de nós, se recria desde sempre e ensina para a gente como podemos fazer para imitá-la. Eu estou interessado em imitar — e não complicar — a natureza."

Exposição solo, espaço 'AL859 - Ars Longa Vita Brevis Associação Cultural', Porto, Portugal. 2020

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    Texto de Aurora dos Campos, 23/09/2020:


            Diário poético no infinitivo


            “Migrar ao corpo” é um convite a uma viagem afetiva pelo olhar de Luciana Bastos, o que a move, comove, o que a modifica, o que a interessa colecionar e mostrar. Sua criação se materializa em desenhos, escritos, bordados, fotografias e colagens. Nós, os espectadores, adentramos o espaço expositivo como quem adentra um diário poético aberto, recomendo deixar-se levar …

“é preciso despir-se.
de toda necessidade de aprovação
pra confiar que o destino se faz na liberação.
No mundo invisível há uma rede.
Conectada em muitos pontos.
É geometricamente existente para amortecer
a queda.
e ser mola
propulsora
para a direção do que fizer
a sua frequência
ser: ação criadora.” (Luciana Bastos)

            Essas são as palavras da artista, que nos dizem com clareza a que vem e o que pretende partilhar na sua primeira exposição individual em contexto de galeria. Assim, a artista de maneira imersiva experimenta respeitar seus fluxos e sua intuição, à margem de protocolos sociais e formas quotidianas pré-estabelecidas.

            “Migrar ao corpo” compreende sua produção artística entre 2015 e 2020. Os cinco anos que aqui se apresentam em forma de trabalhos são também o tempo deste percurso migratório da “concreta” Brasília a “líquida” cidade do Porto que, me conta Luciana, representa para si a água. A mesma água que nos preenche em 70% e nos conecta as marés e a Lua, como mostra seu caderno de imagens de mar, nos fazendo lembrar que somos natureza.

            A exposição está disposta inicialmente numa narrativa linear, os primeiros desenhos expostos à esquerda da sala são de 2015 e remetem a impressões e relações estabelecidas na saída de Brasília que impulsionaram suas criações. Seguindo num percurso paralelo a parede damos a volta a sala até o lado direito, onde há uma busca por outros traços, tons e vibrações nos desenhos de 2020.

            Entre uma ponta e outra desse traçado, dando a volta pela galeria já não é mais linear a disposição temporal dos trabalhos, mas o tempo se expande em viagens e memórias. Aqui não há fronteiras demarcadas e sim afetos que reúnem lugares conectados em muitos pontos que parecem tecer a “rede invisível amortecedora e propulsora”.

            Parte dessa rede torna-se visível e mistura paisagens asiáticas, portuguesas e brasileiras. Há as flores que conversaram com Luciana em seus caminhos e os amigos que encontrou. Há a bicicleta de Calcutá ao lado da bicicleta de Unaí em Minas Gerais. Há também exposta a “Giro_artonwheels” sua bicicleta-sustento, que a acompanha com suas ilustrações pelo Porto. Como também uma coleção de bicicletas-sustento com as quais cruzou pelo seu mundo. O mundo que escolheu cruzar.

            “O quê te move?” É a pergunta do trabalho disposto na vitrine que conecta a galeria à Rua da Alegria - fechando e também abrindo espacialmente essa narrativa. O trabalho desenvolvido no espaço urbano com a “Giro_artonwheels” consiste em conversas que a artista estabeleceu com os transeuntes provocados a pensar sobre o que os move e motiva a moverem-se.

            Deslocar-se ao encontro de si. Parece ser no movimento que se faz o encontro, seja sobre rodas, pernas ou em viagens internas. É no migrar que Luciana percebe em seu corpo sua casa, um refúgio móvel. E generosamente estende aqui este convite a refletir: o quê te move?"